
Em 28 de junho, do ano 1859. Chegava ao Porto de Vitória, após escala no Rio de Janeiro, o primeiro grupo de imigrantes pomeranos. Foram 117 passageiros de 27 famílias que embarcaram da cidade de Hamburgo, hoje Alemanha, dois meses antes. Até o ano seguinte vieram outros 46 imigrantes e entre os anos de 1868 e 1874, época de maior fluxo migratório, chegaram 2.223.
Hoje, segundo estimativa do sociólogo e pesquisador Jorge Kuster Jacob, seriam cerca de 156 mil descendentes de pomeranos habitando diversos municípios do Espírito Santo. Isso faz com que o Estado concentre cerca de metade de população pomerana do país, havendo comunidades também em Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Rondônia, esta fruto sobretudo de migração de pomeranos do Espírito Santo.
“Eu costumo dizer que a Pomerânia é aqui no Brasil, especialmente no Espírito Santo. Nós temos milhares de crianças que ainda falam língua pomerana, enquanto na Europa são poucas pessoas de idade avançada que ainda falam. Sempre digo que a língua é o coração da cultura, faz palpitar outras manifestações culturais”, considera Jorge.
Ele aponta que a cultura pomerana pode ser observada em território capixaba sob diversos outros aspectos além do linguístico e fenotípico, como a culinária, a vestimenta, a arquitetura, a dança, a música com concertina, o folclore, o artesanato típico e a forma tradicional de celebração dos matrimônios. Boa parte disso se perdeu na Europa, mas continua vivo nestas comunidades brasileiras.
Isso foi possível porque os pomeranos, que eram comunidades tradicionais de origem germânica, migraram para o Brasil nos anos que circundaram a Unificação Alemã, que termina em 1971. Foi justamente o período conturbado entre guerras e conquistas que motivou muitos pomeranos a deixar seu território, localizado entre a Europa e o Mar Báltico, em busca de novas condições de vida.
A situação encontrada em terras americanas também não foi das melhores, mas conseguiram sobreviver em áreas remotas, mantendo o espírito de comunidade. A maioria da população pomerana que habita o Espírito Santo é formada por pequenos agricultores familiares, com produção diversificada, incluindo alguns dos pioneiros na realização das feiras orgânicas no Estado. Também mantiveram a religião luterana, trazida da Europa pelos primeiros imigrantes.
Jorge Kuster lembra que além dos 160 anos de imigração para o Espírito Santo, este ano também se completam 50 anos de emigração pomerana do Espírito Santo. Isso porque diante da política de erradicação do café nos anos 60 e a falta de apoio para a agricultura familiar, muitos migraram para Rondônia a partir da política e promessas do governo federal de conceder terras e apoio para expansão da colonização neste outro estado. Jorge conta que cerca de 40% da população do município de Vila Pavão migrou na época, sendo que a maioria se instalou em Espigão do Oeste (RO), de modo que as cidades mantêm fortes vínculos apesar da distância.
No aspecto político, Jorge Kuster considera que foram importantes os processos de emancipação de municípios como Santa Maria de Jetibá e Vila Pavão, que possuem mais da metade de sua população de origem pomerana, assim como todos prefeitos eleitos até hoje. “Foi muito importante para delimitar o território pomerano e esses espaços que não tínhamos ocupado”, diz o sociólogo de origem pomerana. A partir daí foi possível desenvolver políticas de valorização e reconhecimento da língua e cultura pomerana.
Outro fator importante foi o ingresso de pomeranos em cursos superiores a partir dos anos 80, contribuindo para a afirmação da identidade e conquista de reconhecimento para além das comunidades. Desde 2007 o povo pomerano é reconhecido nacionalmente entre os povos e comunidades tradicionais do Brasil, contando com representação no Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, tendo como representante Erineu Foerste, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). No Estado, o reconhecimento oficial como Povo Tradicional veio com um decreto de 2013.
A programação de comemoração dos 160 anos de imigração pomerana no Espírito Santo começa nesta quarta-feira (26), com uma cerimônia realizada no Palácio Anchieta, sede do governo em Vitória. O cortejo sairá da Praça Costa Pereira, no Centro da cidade, até o palácio, na qual os pomeranos estarão trajados, portando bandeiras, e com acompanhamento de bandas. Em frente à sede do governo, haverá apresentações culturais no lado externo seguidas da parte cerimonial a ser realizada no interior do edifício.
Entre as atrações está o lançamento do livro Geschichte Up Pomerisch – Coletânea de Histórias em Pomerano, organizado por um grupo de docentes pomeranos com narrativas e descrições sobre o cotidiano camponês pomerano no Espírito Santo.
Participam da programação 11 municípios que possuem população pomerana, que realizarão homenagens a habitantes que contribuíram para proteção e difusão desta cultura. Vários deles continuarão com atividades ao longo da semana e também no restante do ano. No dia 28 de julho, será realizada uma sessão solene na Assembleia Legislativa.
Para Jorge Kuster Jacob, foram muitas conquistas que devem ser comemoradas nesta data, embora ainda falta muito para avançar. Uma das possibilidades que ele enxerga é por meio do uso desta identidade tão rica e particular para fomentar o turismo e gerar renda para os municípios. E você, gostaria de conhecer uma comunidade e a cultura pomerana?
Fonte: Século Diário.