Vila Notícias – Apesar de ser o maior rio que existe no Espírito Santo, o Rio Doce também é o que mais tem sofrido com a situação da seca no estado desde o início. A situação do Doce ficou mais notória quando, no início de julho, o rio deixou de encontrar o mar, com o fechamento da foz no lado sul da vila de Regência, em Linhares.
Desde então, a situação vem trazendo inúmeras consequências para os moradores, comerciantes e pescadores da vila. Educador ambiental do Projeto Tamar e Secretário Executivo do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, Carlos Sangália afirma que a água que chega às torneiras das casas, comércios e até na escola da vila é salobra e está impossibilitada de beber.
“É água salitrada. Está dando problemas de saúde na escola. Em Regência, em todos os lugares a captação tá salobra. Os alunos têm que levar a água de casa. Aumentou a venda de água mineral no supermercado, pois todo mundo têm que comprar, se quiser beber. O problema está não só questão de abastecimento. Turistas reclamam que os chuveiros estão dando choque pela questão da salinização nos tubos. A água salobra tá sendo a saída para tomar banho”, afirmou Sangália.
Aline Goulart é empresária e proprietária de uma pousada na vila. Ela está dando soluções para que seus hóspedes não tenham que se banhar em água salobra e para que a família não consuma água salobra, mas admite que as saídas encontradas estão doendo no bolso.
“Sabemos que o consumo desse tipo de água é totalmente impróprio e pode provocar vários danos, principalmente em crianças e idosos. Por isso, temos que fazer o sacrifício de manter nossas famílias com água mineral. Isso pesa no bolso de todos, pois, além da conta de água, ainda temos que comprar água mineral”, desabafa a empresária.
Segundo ela, a água salobra também compromete o chuveiro e também a máquina de lavar. “Estamos queimando um chuveiro por semana. O sal faz com que as torneiras fiquem energizadas em alguns lugares, aí é choque na certa. Danifica também os mecanismos da máquina de lavar. A roupa também sofre um pouco com o sal. Temos outras maneira de tomar um banho com qualidade, mas tudo isso pesa no bolso de uma forma ou outra”.
Pescadores
Os pescadores também estão sendo muito prejudicados com o fechamento da foz do Rio Doce no lado sul da vila. Com o mar entrando mais no rio, alguns peixes do estuário morrem ao encontrar a água salgada e os pescadores estão tendo dificuldades de entrar no mar.
“Isso está fazendo com que a pesca fique no estuário, o que é ilegal. A outra saída norte tem cordões de areia e águas que impedem os pescadores de chegar até o mar, vai represando a água e depositando sedimentos na foz”, explica Carlos Sangália.
O presidente da Agência Estadual de Recursos Hídricos do Espírito Santo (Agehr) Paulo Paim, afirmou que não tem conhecimento sobre a situação da água estar salobra, mas sabe que o fechamento da foz está trazendo prejuízos aos pescadores.
Até agricultura prejudicada
A salinização da água do Rio Doce tem prejudicado até mesmo a agricultura local. Segundo Carlos Sangália, fazendeiros estão reclamando que as águas do canal adutor Caboclo Bernardo já estão salgadas, o que está trazendo consequências à lavoura.
“A captação já está um pouco salgada. A cunha salina prejudica toda a lavoura. Se continuar aumentando pode comprometer as lavouras de cacau, pois o perfil do rio está mudando”, disse Sangália.
Segundo ele, para reverter toda esta situação a única medida que está sendo tomada pelos comitês é a recuperação de nascentes e vegetação ciliar, já que a previsão de chuvas é mínima. Também estuda-se abrir passagens na foz para resolver os problemas de mobilidade dos pescadores. “Tem que ser bem pensado. Caso contrário, isso pode até trazer uma piora para o sistema de captação”.
Mesmo assim, no mês de maio a Agehr publicou a resolução 003/2015, que alterou a 002, que era de alerta, passando a ser uma resolução de atenção. “O que diferencia é que a 02, fechava qualquer nova outorga para empreendimentos e a 03 permite a outorga”, explica Paulo Paim.
Só que moradores da comunidade de Regência consideram a atitude um erro. Aline Goulart cita que desvios do Rio para empreendimentos, para irrigações e outras atitudes atuaram em conjunto para o fechamento da foz. “Todas essas situações podem ter gerado o acúmuo excessivo de areia e diminuído a força da corrente do rio, com o represamento e desvio das águas. Nós pagamos esta conta das decisões mau tomadas e do descaso e desrespeito com a natureza, na qual dinheiro nenhum, talvez, possa reverter esse processo”.
R$ 21,8 milhões em água poupados
A situação dos rios que abastecem o Espírito Santo ainda está longe de ser considerada tranquila. A Agehr analisa que a vasão dos rios está sempre mais próxima do volume crítico. Em alguns casos, a vasão, que oscila diariamente, chega a ficar abaixo do volume crítico, principalmente no Rio Santa Maria da Vitória.
Apesar disso, os números da Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan) mostram que o capixaba, em geral, tem se conscientizado sobre a situação e tem feito a sua parte evitando o desperdício de água a partir de diversas medidas. Segundo a Companhia, o total economizado pelos clientes, nos 52 municípios em que atua, chegou a 8 bilhões de litros, no primeiro semestre deste ano, comparado ao mesmo período do ano passado.
Se considerarmos uma tarifa média de R$ 2,73 por metro cúbico de água, o volume poupado pelos capixabas representou uma economia de R$ 21,84 milhões durante os seis primeiros meses de 2015. Neste mesmo período, o consumo médio de água por habitante foi de 161 litros de água por dia contra 184 litros/dia no ano passado, uma economia de 690 litros de água por habitante a cada mês.
O encarregado operacional Luiz Carlos Carneiro contou que as práticas adotadas pela família no início do ano, quando as notícias sobre a seca dos rios e a responsabilidade que a população tinha em poupar água ficaram em foco. “É questão de sobrevivência. Desde aquela época tomamos a consciência de poupar e estamos fazendo até hoje. De tanto falarmos e praticarmos, virou uma cultura. Na hora de escovar os dentes, de tomar banho, de lavar a louça… Hoje, mais do que necessidade, é nosso dever poupar água”, enfatizou o encarregado.
Segundo o presidente da Agehr Paulo Paim, a situação atual não é mais de alerta, como estava há dois meses. Hoje a situação é de atenção, mas mesmo assim a população capixaba não pode relaxar e deve manter a economia.
Fonte: Es Hoje