Vila Notícias
Por Jorge Kuster Jacob – Sociólogo, pesquisador e professor do CEIER de Vila Pavão
Organização: Eliana do Nascimento

História é o estudo do passado para entender o presente, e assim planejar um futuro melhor. Foi com essa afirmação que a escola e eu como professor de história do Centro Integrado de Educação Rural/CIER, hoje Centro Estadual Integrado de Educação Rural/CEIER de Vila Pavão em 1989 iniciei projetamos aulas de história de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental daquele importante educandário de Vila pavão.
A grande maioria dos alunos eram filhos de agricultores familiares e pomeranos. No decorrer das aulas explicávamos e os livros ajudavam exemplificar o que eram fontes históricas. Com base nesses estudos teóricos pedimos que os alunos trouxessem “fontes históricas” de suas casas para tornar as aulas mais concretas e contextualizadas. Cada aluno teve que explicar a sua fonte histórica na sala de aula para toda a turma. Os alunos trouxeram tantas e tão significantes peças que a escola resolveu fazer uma exposição para divulgar o trabalho para toda a comunidade escolar na época. Os pais dos alunos no encerramento do bimestre puderam visitar escola e ouvir as explicações dos filhos.
Interessante que muitos pais também davam depoimentos sobre a história da família através das referidas peças. Assim, os alunos e pais explicavam à comunidade escolar a importância das peças históricas: relógio, desnatadeira, máquina de moer café e carne , pilão, pedra de moinho, bule, panela, ferramenta, forma de fazer tijolos, máquina de costura, máquina de escrever, rádio, manteigueira de bambu, bacias, batinga para pintar fogão, coador de café, talheres, pratos, gamela, moringa, baú, ferro de passar roupa, diversas fotos antigas, bíblias em alemão, moedas, quadros, cadeiras, bancos, entre outros objetos antigos que representava a época de colonização de Vila Pavão de 1950 a 1970.
Veja abaixo, a galeria de fotos
Essa exposição que era para ser periódica acabou ficando por mais de um ano no corredor e parede do CIER. Algumas famílias pegaram seus objetos de volta, mas a maioria doou os objetos para fins históricos e culturais para um eventual museu.
Depois as peças ficaram no almoxarifado da escola por algum tempo e seguida foi entregue a Secretaria Municipal da Cultura e ficou por anos exposto na Biblioteca Municipal num cômodo alugado perto do Posto de gasolina no centro da cidade.
Projeto Parque Histórico e Cultural Pomerano de Vila Pavão
Foi com essa experiência que resolvemos montar um projeto: Parque Histórico e Cultural Pomerano de Vila Pavão. E dentro desse parque teria esse museu (uma casa típica pomerana). O projeto foi sendo construído e ficou “em espera” por 15 anos.
Encontrar uma área para a construção desse parque e ao mesmo tempo um órgão ou empresa que patrocinasse o projeto eram as grandes dificuldades.
Esse projeto tinha 20 páginas uma parte teórica com muitas fotos de objetos, como monjolos, moradias, paios, utensílios, instalações, construções, paisagens campestres: área de mata, pasto, pomares, jardins, nascentes, córregos entre outras, que faziam parte desse parque que era para ser um modelo de propriedade familiar pomerana.
O projeto tinha dois caminhos para ser concretizado: um desapropriar uma pequena propriedade rural contendo essa estrutura ou construí-lo numa área. Mas o tempo e o destino nos trouxeram a solução.
Aquisição do imóvel e do terreno
A tradicional família do “seu” Franz Ramlow(depois do filho Leopoldo e na época pertencendo ao neto , Clério. A família morava na saída de Vila Pavão para São Gonçalo. Com o passar do tempo a família foi ficando men. Filhos e filhas foram casando e saindo de casa. E o neto do “Seu França”, filho do “Seu Leopoldo”, Clério Ramlow morava sozinho com a irmã Ema nesse enorme casarão típico pomerano. Eles resolveram vender a casa para desmanche. Foi quando fizemos uma proposta , e Clério aceitou. Eu era secretário municipal de cultura e turismo na época. Propomos a compra da casa e uma área de terra (quintal) para a Prefeitura Municipal de Vila Pavão em 2005 e assim implantar o referido museu.
Como autor do projeto, a justificativa de colocar o nome Franz Ramlow era porque ele foi o principal articulador da imigração pomerana em Vila Pavão no final da década de 1940 e contribuiu muito para o desenvolvimento das famílias pomeranas em Vila Pavão, especialmente quanto a uma das suas principais manifestações culturais, a religiosidade.
A casa do “seu França” (o museu) foi utilizado para realizar os primeiros cultos luteranos do inicio da colonização. Na época o pastor que celebrava os cultos vinha de Lajinha (Pancas) ele fazia todo o trajeto a cavalo e geralmente pernoitava na cidade.
Alguns anos depois seu França também doou um terreno na frente do museu onde foi construído a primeira Capela Luterana de Vila Pavão( 1950), antes de construir a Igrejona (1967). Nesse mesmo local “seu França” também abriu um comércio para servir a comunidade, especialmente aos pomeranos, que tanto ele como seu filho, Leopoldo, falavam a língua pomerana.
Anos depois instalou uma máquina de pilar café e outra para pilar arroz, produtos que também compravam dos agricultores. No mais a tradicional “Venda do Seu França” e mais tarde “Venda do Leopoldo”. Além de oferecer produtos industrializados comprava a colheita dos agricultores como café, arroz, feijão, milho, entre outros ovos, galinhas, porcos, bois, entre outros, elementos produzidos pela agricultura familiar local.
Retiramos do projeto do Parque a parte do museu (casa). Fizemos algumas adaptações e junto com o prefeito municipal Ivan Lauer apresentamos o projeto ao Cônsul Honorário da Alemanha no Espírito Santo, Helmut Meyerfreund que adquiriu o casarão da família Ramlow e no valor de 60.000,00 (sessenta mil reais) e doou o casarão para a prefeitura municipal.
Na época com uma emenda de um deputado estadual no valor de 30 mil reias para reformar e fazer as devidas adaptações e transformar o museu no que ele é hoje.
O museu foi inaugurado no dia 26 de janeiro de 2005. A Câmara Municipal de Vereadores criou o Museu Pomerano Franz Ramlow através da lei 817/2012.
Hoje o museu já está estruturado e desempenha uma importante fonte histórica e de pesquisa para a cultura local, e demais pesquisadores.
Descrição do Museu Franz Ramlow
Além da casa com cozinha, sala de jantar, duas varandas, sala de visita, quatro quartos de dormir e um quarto do namoro ou das visitas. Tem um sótão para o qual dá uma escada e que tem função importante na história pomerana e o utilíssimo porão com algumas coisas como arados, pilão, ferramentas, entre outras coisas. No pátio tem um tradicional engenho de cana, uma farinheira, um carro de boi, um monjolo e um forno que é utilizado pelas senhoras da “Casa do Brote”.
O Museu nunca adquiriu e não adquire ferramentas, máquinas, ou qualquer objeto antigo. Todos os objetos antigos que compõe o seu acervo foram doados. A política desde a época do CIER foi de doação. Nada foi comprado. A não ser mapas, livros, quadros para colocar fotos, entre outras estruturas necessárias para administração e reforma de peças ou da própria estrutura da casa. A única coisa que o doador em contra partida recebe será colocado o nome e um resumido histórico daquela peça na história da família. A grande maioria do acervo do museu já foi catalogada.
Para dar mais vida foi construída ao lado do museu a “Casa do Brote”. A “Casa do Brote” é uma associação de mulheres que resgata e valoriza a identidade pomerana através da culinária, especialmente do brote, mas também faz biscoitos, bolos, roscas e faz sob encomenda almoços típicos nas festas tradicionais do município e outros eventos.
O Museu tem algumas curiosidades . Tem um enorme engenho de moer cana que dá um toque especial à paisagem arquitetônica pomerana de Vila Pavão. E quando têm visitas de pesquisa e estudos, o zelador Walter Ohnezorge (que sabe explicar sobre todas as peças do museu) faz questão de fazer demonstrações práticas com o engenho, pilão, farinheira, forma de fazer tijolos e outras peças. Ali também podem ser vistos todas as etapas de fazer o tradicional brote pomerano e suas variedades. Além disso, encontramos no museu o último chapéu e o último guarda chuva usado pelo “seu” França Ramlow.
O bule da vovó faz parte dessa história
Em 1974 a minha avó Ernestina Jacob e meu avô Reinaldo Jacob emigrou com vários primos e alguns tios para Rondônia. Em cima de um pau de arara com mais integrantes da família Jacob e Ratunde mudaram para Espigão do Oeste na busca de mais e novas terras para plantar e sobreviver.
Passados 40 anos fomos fazer uma pesquisa em Rondônia. Hoje meus avós Reinaldo e Ernestina não vivem mais. Pude visitar os túmulos deles próximo da casa do Tio Gomercino Ratunde e tia Cecília Jacob Ratunde. Fui fazer uma entrevista com essa família de tios queridos que tenho lá.
Fazendo a entrevista, especificamente na cozinha da casa, olhei pra o fogão e vi um bule aparentemente muito velho. Cor marrom, cor terra. Levantei e fui até ele. Verifiquei sua tampa e as bordas estavam bem enferrujadas que confirmava a minha impressão de um bule velho. Perguntei a tia quantos anos podia ter esse bule. Respondeu que não sabia, mas que sua mãe, minha avó trouxe-o do Espírito Santo. Emocionei. Conclui que o bule tinha mais de 40 anos. E viajou para Rondônia em 1974. Saiu do Córrego do Estevão, passou na frente da casa dos Ramlow (hoje museu), passou por Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e chegou a Rondônia.
Vi que ali estava uma grande peça histórica. Tomamos o café que estava quase quente nele e pediu explicando que queria levar esse bule de volta e levar ele para fazer parte do acervo do Museu Pomerano Franz Ramlow de Vila Pavão. A tia tomou o último café que fez nele depois de 40 anos e me entregou o bule. Voltei e entreguei ao museu em Vila Pavão. Um bule que é o símbolo dessa emigração para o pulmão da Mata Amazônica para onde foi 40% da população do município de Vila Pavão na década de 1970.
Lembrando que Vila Pavão foi o município capixaba que mais perdeu sua população para o estado de Rondônia na época: 40%.
Essa casa, atual museu e a família Ramlow teve a honra de hospedar na década de 1970, o pesquisador, escritor e cineasta alemão/pomerano Klaus Granzow que realizou ali entrevistas com “seu” França e depois publicou na Alemanha no livro “Pomeranos sob o Cruzeiro do Sul”. Esse livro foi traduzido por Hilda Braun para o português e patrocinado e lançado no Brasil pelo Arquivo Público do Espírito Santo em 2009. Em 2011, a professora de história Jorcy Foerste Jacob também fez questão de lançar seu livro “A Pomerânia Brasileira” no Museu de Vila Pavão.
É importante também destacar que o museu já recebeu diversas caravanas inclusive de Santa Catarina e Rondônia. Foi palco das filmagens de um casamento pomerano que dirigimos em 2011.
O filme documenta todos os rituais de um tradicional casamento pomerano que dura três dias e os convidados tem que doar 5 presentes para poder participar dos festejos. Ainda destacamos a culinária, a dança do quebra louça, a dança da noiva e o ritual do tiro ao alvo da bandeira que faz parte do tradicional casamento pomerano. Vários documentários e reportagens de TV já foram gravados neste museu.
Só temos três museus pomeranos no Brasil. Este de Vila Pavão, um em Pomero de(SC) e outro em Santa Maria de Jetibá(ES). O museu de Vila Pavão funciona de 7h00h até 17h00 de segunda a sexta-feira. Ainda não tem um horário para ficar aberto nos finais de semana e feriados o que seria ideal para atender e estimular turistas a visitar o nosso município, e assim conhecer um pouco da nossa identidade histórica e cultural. Mas se um grupo ou alguém quiser visitar deverá fazer contato com a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo local e agendar uma visita.
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