
Por Jorge Kuster Jacob
A imigração pomerana para o Brasil comemora agora no dia 28 de junho 161 anos. No mesmo dia e mês, do ano de 1859 chegavam ao Espírito Santo as primeiras 37 famílias, num total de 117 pessoas provenientes da Antiga Província da Pomerânia. A Pomerânia era uma das 36 províncias da Prússia. Cada uma dessas suas províncias tinha certa liberdade cultural na língua, na religião, na política, entre outras manifestações típicas. A Unificação Alemã só vai acontecer em 1871 quando a maioria dos pomeranos já morava no Espírito Santo. Esses pomeranos não foram atingidos pela unificação. Mesmo que 10 anos depois vinham os primeiros pastores luteranos para o Espírito Santo e dirigiam cultos e outras ritos na língua oficial alemã, os pomeranos em casa ou até mesmo no pátio da igreja continuavam falando a língua nativa pomerana que arrastava todas as explicações de dezenas de manifestações da sua identidade histórica e cultural. E assim viveram em solo capixaba até a década de 1980 quando os primeiros pomeranos foram fazer faculdade e assim nascia o processo de autodefinição. Viveram aqui mais de 120 anos na informalidade como se fossem “alemães”. Culturalmente falando e insistindo na sua língua resistiram esse tempo todo. A língua e cultura pomerana por mais de 120 anos no Espírito Santo foi confundida com “alemã”. Isso foi tão forte que ainda hoje muitos pomeranos dizem “wie dütsche” (Nós alemães).
Antes de tudo vale a pena destacar os imigrantes germânicos que desembarcaram no Espírito Santo durante o século XIX, mais de 70% eram da Pomerânia. Os outros menos de 30% eram de Tirol, Hunsrüker, Hesse, Luxemburgo, Saxônia, Holanda, Suíça, Bélgica, Meclemburgo, Bavária, entre outros. No sul do Brasil a maioria era de Hunsrüker. Então, no Espirito Santo, entre os germânicos, os pomeranos dominaram a cultura e os hunsrükers no Sul do Brasil. Enquanto que no Espírito Santo tivemos uma espécie de “unificação pomerana” no sul do Brasil tivemos uma “unificação hunsrüker” durante esses mais de 160 anos de imigração germânica no Brasil. Essa “unificação interna pomerana” e sem projeto ou lei foi tão forte que é comum ver em Santa Maria outros descendentes germânicos falar a língua pomerana. Até descendentes italianos, portugueses e negros falam o pomerano.
Ainda devemos destacar de forma geral que os pomeranos do Espírito Santo, Minas Gerais e mais recentemente Rondônia tiveram um processo de autodefinição. Esse movimento começou com as pesquisas do pastor pomerano Rodolfo Gaede em 1976 com a monografia “Os pomeranos no Estado do Espírito Santo, seu passado, sua situação atual, um desafio para a Igreja”. Também podemos destacar as pesquisas jornalísticas d e Rogerio de Medeiros e o trabalho da TV Gazeta, no Jornal do Campo do jornalista Ronald Mansur, destacando a rica agricultura familiar. Antes das pesquisas de Rodolfo Gaede, os pomeranos capixabas viveram mais de 100 anos em solos capixaba e eram confundidos com “alemães” (wie düstche). Mais recentemente podemos destacar as pesquisas de Ismael Tressmann e com ele surgiu um dicionário enciclopédico e o Projeto do Ensino da Língua Pomerana/PROEPO. O trabalho de pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo/UFES do professor Erineu Foerste também merece destaca no reconhecimento e fortalecimento da identidade deste povo tradicional.

Fato que ganhou as manchetes nacionais e internacionais foi o câncer de pele (câncer ecológico) que atingiu os pomeranos capixabas descoberto em 1978 em Vila Pavão pelo médico Douglas Popim quando pela primeira e última vez o Espírito Santo foi notícia da Revista Time dos EUA. E em 1988, jornais (“Jornal do Brasil” do Rio e “A Gazeta” de vitória) e revistas (“Quick” da Alemanha, “Manchete” do Rio) estiveram em Vila Pavão para verificar como estava a situação deste câncer. Esse fato chamou a atenção da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil/ IECLB que criou em parceria com a UFES o Projeto de combate ao câncer de pele e fundou o Albergue Martin Lutero em Vitória para atender e encaminhar estes pacientes.
As emancipações políticas de Santa Maria de Jetibá (1988) e Vila Pavão (1990) foram determinantes e aconteceu junto com a emancipação cultural do seu povo, maioria pomerana. Os grupos de danças, as escolas, igrejas, grêmios estudantis, destacavam a importância do movimento ecológico e cultural enquanto o debate para emancipação política corria paralelamente e assim se fortalecia. Santa Maria é o município mais pomerano do mundo hoje e Vila Pavão, a “Pomerânia do Norte do Espírito Santo”. Foram os únicos municípios no Brasil que até hoje só elegeram prefeitos pomeranos. A emancipação de Laranja da Terra também foi importante assim como o trabalho cultural em Melgaço (Domingos Martins) e Laginha (Pancas).
Mais recentemente o decreto 6.040, de 17 de fevereiro de 2007, do presidente Luiz Ignácio Lula da Silva instituindo políticas para os povos e comunidades tradicionais do Brasil trouxe o reconhecimento nacional e internacional, além de muitos recursos via editais fortalecendo grupos de danças, eventos, mestres, pontos de cultura, pesquisas, literatura, museus, programas de rádios, filmes, entre outros projetos para o povo pomerano. Se não fosse essa definição como povo tradicional pomerano e esse reconhecimento pelos estados federal e estadual a cultura pomerana teria passado por sérias dificuldades e muitas manifestações teriam padecido.
Mas a cultura pomerana não pode parar nesse reconhecimento federal e estadual. Os municípios precisam avançar. Santa Maria de Jetibá precisa urgentemente tomar algumas iniciativas e assim dar o próximo passo. Precisamos caminhar pra frente, não parar e muitos menos retroceder. Santa Maria de Jetibá precisa assumir o papel de protagonista da cultura pomerana mundial. Para isso precisa mudar de nome. Chamar-se “Alta Pomerânia” ou “Nova Pomerânia”.
Com certeza a sua população entenderia uma vez que traria desenvolvimento turístico e econômico para o município. A localização estratégica beneficia. O município está a 70 km da grande Vitória, do Aeroporto e do Porto. Isso é fundamental. Com apoio do governo federal, estadual o município seria a capital mundial da cultura pomerana. Poderia construir um parque pomerano (colônia pomerana/tipo Beto Carreiro, mas pomerano), rotas turísticas (já tem uma iniciativa), um centro internacional de pesquisa (a maior biblioteca pomerana do mundo), um programa pomerano de rádio e tv (já tem excelente estrutura), encontros internacionais de música em pomerano, trombonistas, língua, locutores pomeranos, cinema, culinária, literatura, concertina, entre outros. O município elegeu dois deputados estaduais o que também é importante para esse novo passo, essa revolução cultural que está nas mãos de Santa Maria de Jetibá.
Os outros municípios brasileiros pomeranos seguiam a orientação de Santa Maria de Jetibá e participariam na estruturação destes encontros nacionais e ou internacionais organizados no município capixaba. A participação dos municípios pomeranos capixabas seriam maior uma vez que estão mais pertos. Vila Pavão, Pancas, Domingos Martins, Laranja da Terra, Itaguaçu, Itarana, Baixo Guandu, Afonso Claudio, Vila Valério, entre outros seriam parceiros. Alguns eventos poderiam acontecer em todos os municípios em forma de rodizio. Mas todos outros municípios de Minas Gerais, Rondônia, Rio Grande do Sul e Santa Catarina teriam espaços. Convidaríamos pesquisadores e turistas de todo Brasil e países com presença pomerana (Alemanha, Polônia, EUA, Canada, Austrália, entre outros).
Santa Maria de Jetibá, com apoio do Estado, da União, da Alemanha, e empresas destas assumiria esse papel importante para o avanço da identidade cultural pomerana no mundo e do turismo local e estadual. Como o “caminho se faz ao caminhar” o processo iria sendo aperfeiçoado de uma forma democrática e viável. Santa Maria de Jetibá teria que assumir essa coordenação.
A outra sugestão para Santa Maria, Vila Pavão, Laranja da Terra, Laginha (Pancas) e Melgaço (Domingos Martins), Espigão do Oeste (RO), Pomerode (SC), São Lourenço (RS) e Itueta (MG) que continuem aperfeiçoando na língua, culinária, arquitetura, dança, música, a literatura, entre outas manifestações.
Que municípios como Itaguaçu, Itarana, Baixo Guandu, Vila Valério, Afonso Claudio (ES), Cacoal (RO), Aimorés (MG) entre outros municípios do RS e SC iniciam e comecem a valorizar essa identidade histórica e cultural pomerana tão latentes em seus municípios.
É importante saber que somente no Espírito Santo e Brasil temos pomeranos. A Pomerânia é capixaba. É brasileira. A língua é o coração da cultura. A língua de um povo explica e arrasta consigo todas as outras manifestações deste povo como a própria língua, culinária, música, dança, arquitetura, vestimenta, religiosidade, territorialidade, folclore, artesanato, mitos, ritos, entre outros. Se no Espírito Santo temos milhares de crianças até 7 anos falando o idioma pomerano na antiga Pomerânia Europeia temos uma meia dúzia de idosos com mais de 70 anos que ainda falam essa língua. Significa dizer que a identidade histórica e cultural pomerana no Brasil sobreviverá por no mínimo mais 70 anos.
Ainda vale lembrar que no Espirito Santo temos municípios que a língua pomerana é co-oficializada por lei. Ela tem o mesmo valor que a língua portuguesa. Órgãos públicos e comerciais devem atender o público também na língua pomerana. Esses municípios também tem um projeto do ensino da língua em sala de aula. Os municípios são Santa Maria de Jetibá, Vila Pavão, Laranja da Terra, Pancas (Laginha) e Domingos Martins (Melgaço). Os municípios de Vila Pavão e Espigão do Oeste (RO) tem uma de lei de “Cidades irmãs”, tamanha é sua relação histórica. Aproximadamente 40% da população de Vila Pavão na década de 1970 emigraram para esse município de Rondônia.
Os governos municipais pomeranos, especialmente o de Santa Maria de Jetibá, o governo capixaba e o governo federal precisam ver na cultura tradicional pomerana brasileira um grande projeto cultural e turístico. Precisam urgentemente tirar dessa nossa identidade uma oportunidade de valorização e desenvolvimento não somente da autoestima desse povo, mas também a geração de renda, emprego e assim o desenvolvimento local e sustentável.
Jorge Kuster Jacob é sociólogo, escritor e professor aposentado de história e Ex – representante dos pomeranos na Comissão Nacional dos povos e Comunidades Tradicionais do Brasil.