Por Jorge Küster Jacob (jacob.jorge@hotmail.com)
Os pomeranos tinham um território no sul do Mar Báltico. No auge da sua história, esse território correspondia a 70% da área do Estado do Espírito Santo. Seus habitantes podiam ser considerados um povo tradicional que além dessa territorialidade, tinha uma língua própria, desenvolveu uma arquitetura bastante típica, tinha suas danças, suas músicas, uma culinária peculiar, uma religiosidade com seus ritos e seus mitos. Era tudo que uma país desenvolvido poderia ter.
Historicamente, esse território e o próprio mar Báltico revivia seus cenários de guerras, com suas batalhas entre diferentes povos, que viviam nas suas proximidades ou por lá transitavam. A Pomerânia tinha se constituído em um verdadeiro palco de lutas entre o Oriente e o Ocidente. Com isso, os pomeranos sempre terminavam se vendo envolvidos em diferentes guerras e, muitas vezes, sequer, sabiam de que lado dos combatentes estavam.
O maior contingente de pomeranos chegou no Brasil entre 1859 e 1872. Desembarcados em diferentes portos brasileiros de Espírito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, foram simplesmente “jogados” entre matas e serras, longe das planícies e de centros comerciais. Sem uma orientação para um ajuste à nova forma de manejo da agricultura, necessário à adaptação ao clima tropical, sem igrejas, sem escolas, sem estradas, sem um processo planejado de aculturação, como ocorreu com os emigrantes que foram para o EUA e outros países, os pomeranos que aqui chegaram, sobreviveram aos desafios do processo de assentamento, graças aos seus grandes esforços pessoais, ao intenso trabalho e à sua reestruturação cultural. E foi desta forma que aqui construíram sua verdadeira “Pomerânia Capixaba”.
Por outro lado, a vida dos habitantes da antiga Pomerânia seguia seu rumo. Ao final de 1939, esse antigo ducado já abrigava perto de dois milhões e trezentos mil habitantes, e nessa época, os pomeranos brasileiros já tinham se adaptado à nova realidade que lhes era oferecida dentro do território brasileiro.
Ao final da II Guerra Mundial, com a trágica derrota da Alemanha, mais de oitenta por cento da área da Pomerânia simplesmente foi incorporada à Polônia, tendo apenas 4.014 quilômetros quadrados do seu território original de 30.000 quilômetros quadrados (cerca de 15%), sido incorporados à República Democrática Alemã (comunista). Não houve qualquer consulta à sua população, até porque seus cerca de dois milhões de habitantes foram simplesmente “deslocados”. Estima-se que, apenas cerca de cinquenta mil terminaram ficando para trás e foram absorvidos pela população polonesa reassentada. Os quase dois milhões de pomeranos que viviam nesses territórios, agora ocupados, da noite para o dia, durante o inverno de 1945-46, tiveram que fugir da Pomerânia Oriental (polonesa) só com a roupa do corpo. Desses, perseguidos pelas tropas poloneses, a caminho da Pomerânia ocidental (alemã), cerca de 500 mil, terminaram sucumbindo, saqueados, estuprados e assassinados.
Aqui no Brasil, a vida nos assentamentos pomeranos seguia seu rumo. Na década de 1960, a agricultura familiar de subsistência no Espírito Santo tinha na monocultura do café o seu forte esteio financeiro. Em muitos estados, como Minas Gerais, Paraná e também no Espirito Santo, o café havia se tornado o principal gerador de riqueza. Contudo, entre 1959 e 1962, o excesso de oferta, em decorrência de três safras seguidas com grandes produções, houve uma grande desvalorização do café, que resultou, inclusive, em uma queima de milhões de sacas na Baixada Santista.
Todo esse excesso de produção do café havia feito com que o governo intervisse por meio de programas de erradicação de cafezais, com objetivo de reduzir a produção e garantir a manutenção dos preços em nível internacional. Infelizmente uma boa parte da população pomerana do Espírito Santo (em especial Vila Pavão) sofreu as consequências dessa erradicação de cafezais em minifúndios. Lógico, a política do fortalecimento da monocultura do pasto que beneficiava os grandes proprietários de terras, terminou expulsando a população de muitos minifúndios que praticavam a agricultura familiar. A sua falta de competividade, sobretudo pela dificuldade de acesso ao crédito bancário, fez com que muitos pequenos agricultores empobrecidos se desfizessem das suas propriedades e seguissem para novas áreas de colonização, especialmente para Rondônia.
Isso fez com que, por exemplo, o município de Vila Pavão que na época tinha dezesseis mil habitantes, dos quais oitenta por cento (80 %) de descendência pomerana, nessa emigração para Rondônia, perdesse quarenta por cento (40 %) da sua população, especialmente para Espigão do Oeste. Foi um reinício penoso e para o qual muitos paralelos podem ser traçados com os desafios enfrentados pelos pioneiros que no século XIX chegaram no Espírito Santo, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Foi com essa nova investida contra a selva rondonense que esses novos pioneiros, praticantes da agricultura familiar, conseguissem construir a sua Pomerânia Amazônica. Quem sabe, graças a essa forte identidade tradicional pomerana, possam também transformar Espigão do Oeste em um grande centro cultural e turístico de Rondônia.
O povo pomerano brasileiro também tem suas ambições. Quer que suas manifestações culturais e suas tradições sejam respeitadas. Quer que as mais de 35 manifestações (ver quadro) ou projetos tenham recursos para a sua implantação e que possam ter continuidade. Os pomeranos são um povo tradicional que quer o apoio dos seus representantes na política, para que iniciativas apontadas por diferentes projetos possam frutificar.
Sabe-se que muitos povos que aqui chegaram, perderam a sua condição de povo tradicional, por falta de um maior investimento na preservação de sua própria cultura. São povos que já não falam a sua língua, não têm o ensino do seu idioma, não têm seus museus, seus eventos, sua arquitetura, sua culinária.
No Espírito Santo, os municípios de Santa Tereza e Nova Venda do Imigrante tem uma boa parte da sua população formada de italianos, da mesma forma como Pancas e Vila Pavão são essencialmente pomeranos. Com a inclusão de pomeranos ou outros povos nos seus eventos sociais, esses municípios certamente, poderiam incluir outros segmentos da sua população no seu potencial de crescimento.
Como se pode ver na tabela em anexo, as manifestações, os projetos ou marcas identitárias dos pomeranos de Vila Pavão estão presentes em 42 itens dos 51 elencados na pesquisa, enquanto os outros dois grupos aparecem em 12 situações. É um resgate da valorização das identidades culturais do município.